Lanterna Mágica: Bahia
I / Belo Horizonte
Meus olhos tem melancolias
Minha boca tem rugas
Velha cidade!
As árvores tão repetidas
Debaixo de cada árvore faço minha cama
Em cada ramo dependuro meu paletó
Lirismo
Pelos jardins versailles
Ingenuidade de velocípedes
E o velho fraque
Na casinha de alpendre com duas janelas dolorosas
Ii / Sabará
A Aníbal M. Machado
A dois passos da cidade importante
A cidadezinha está calada, entrevada
(Atrás daquele morro, com vergonha do trem)
Só as igrejas
Só as torres pontuadas das igrejas
Não brincam de esconder
O Rio das Velhas lambe as casas velhas
Casas encardidas onde há velhas nas janelas
Ruas em pé
Pé-de-moleque
Pensão De Juaquina Agulha
Quem não subir direito toma vaia
Bem-feito!
Eu fico cá embaixo
Imaginando na ponte moderna. Moderna por quê?
A água que corre
Já viu o Borba
Não a que corre
Mas a que não pára nunca
De correr
Ai tempo!
Nem é bom pensar nessas coisas mortas, muito mortas
Os séculos cheiram a mofo
E a história é cheia de teias de aranhas
Na água suja, barrenta, a canoa deixa um sulco logo apagado
Quede os bandeirantes?
O Borba sumiu
Dona Maria Pimenta morreu
Mas tudo é inexoravelmente colonial
Bancos janelas fechaduras lampiões
O casario alastra-se na cacunda dos morros
Rebanho dócil pastoreado por igrejas
A do Carmo - que é toda de pedra
A Matriz - que é toda de ouro
Sabará veste com orgulho seus andrajos
Faz muito bem, cidade teimosa!
Nem Siderúrgica nem Central nem roda manhosa de forde
Sacode a modorra de Sabará-buçu
Pernas morenas de lavadeiras
Tão musculosas que parece que foi Aleijadinho que as esculpiu
Palpitam na água cansada
O presente vem de mansinho
De repente dá um salto
Cartaz de cinema com fita americana
E o trem bufando na ponte preta
É um bicho comendo as casas velhas
Iii / Caeté
A igreja de costas para o trem
Nuvens que são cabeças de santo
Casas torcidas
E a longa voz que sobe
Que sobe do morro
Que sobe
Iv / Itabira
Cada um de nós tem seu pedaço no pico do Cauê
Na cidade toda de ferro
As ferraduras batem como sinos
Os meninos seguem para a escola
Os homens olham para o chão
Os ingleses compram a mina
Só, na porta da venda, Tutu Caramujo cisma na derrota incomparável
V / São João Del-Rei
Quem foi que apitou?
Deixa dormir o Aleijadinho coitadinho
Almas antigas que nem casas
Melancolia das legendas
As ruas cheias de mulas-sem-cabeça
Correndo para o Rio das Mortes
E a cidade paralítica
No sol
Espiando a sombra dos emboabas
No encantamento das alfaias
Sinos começam a dobrar
E todo me envolve
Uma sensação fina e grossa
Vi / Nova Friburgo
Esqueci um ramo de flores no sobretudo
Vii / Rio de Janeiro
Fios nervos riscos faíscas
As cores nascem e morrem
Com impudor violento
Onde meu vermelho? Virou cinza
Passou a boa! Peço a palavra!
Meus amigos todos estão satisfeitos
Com a vida dos outros
Fútil nas sorveterias
Pedante nas livrarias
Nas praias nu nu nu nu nu nu
Tu tu tu tu tu no meu coração
Mas tantos assassinatos, meu Deus
E tantos adultérios também
E tantos tantíssimos contos-do-vigário
(Este povo quer me passar a perna)
Meu coração vai molemente dentro do táxi
Viii / Bahia
É preciso fazer um poema sobre a Bahia
Mas eu nunca fui lá