É Mais Ou Menos Assim
Como mudaram os tempos
Como a vergonha escasseou
Parece que evaporou
A essência fundamental
Cada dia um vendaval
Muda o rumo da verdade
E aquela honestidade
Ferrenha de antigamente
Vai mudando diariamente
Restando apenas saudade
A estância continua
Com os mesmos afazeres
Sempre c’os mesmos deveres
Na espera dos obreiros
Se existir maus campeiros
A tropa toda extravia
Pois quando não se confia
No que faz o remanejo
Apenas fica o desejo
O resto, vai a “la cria”
Pois hoje em dia, o refugo
Pesa muito na balança
A coisa ruim sempre avança
Sem respeitar aramado
Se a culpa foi do finado
De afrouxar o garrão
Dando vez ao palavrão
Pra invadir serra e fronteira
Deu tudo pro bagaceira
Se chamar de cidadão
Entrar na casa dos outros
Sem nunca ser convidado
Colher o que foi plantado
Por rebeldia, no mais
Usar roupas sem remendo
Mão calejada da cuia
Polegar todo cortado
De tanto fazer “paiero”
Não se iluda, companheiro
Quanto mais sei, mais aprendo
Às vezes eu me campeio
E não me encontro comigo
Quero parar, mas prossigo
Por incrível que pareça
Chego perder a cabeça
Sem saber pra onde vou
Às vezes, nem sei quem sou
Quando tapeio o sombreiro
Bem do jeito missioneiro
Do falecido vovô
Segundo mamãe contava
Não era flor o velhinho
Lá no Pinheiro Bonito
De São Francisco de Assis
Se criou como aprendiz
Num templo de maragatos
Chapadões, várzeas e matos
Gostava de recorrer
Naqueles tempos, la pucha
Usar um lenço encarnado
Era procurar encrenca
Ou pedir para morrer
Em toda parte existia
Homem temperado a fogo
Não se dobrava por nada
Nem mudava de partido
Envelhecia peleando
Perdia mais que ganhava
Mas não se desacorçoava
Daquela luta ferrenha
Fazia parte da vida
Herdada com sangue e suor
Muitos deixavam os pagos
Emigravam co’a família
Numa carreta sem tolda
Sem direção definida
Filhos pequenos, coitados
Nem sabiam pr’onde iam
Muitos choravam com fome
Por falta do que comer
Saíam meio a “las pressas”
Pra evitar um massacre
Que podia acontecer
Piedade não existia
Matavam porco, galinha
“Rebanhavam” os cavalos
Ainda atiçavam fogo
No paiol de feijão miúdo
O que sobrou que se lixe
Velhos coitados pediam
Pra não levarem os netos
Mas não adiantava nada
Quem não marchava, morria
E, agora, de novo, vejo
Esse desmando maleva
Sem saber quem é que leva
Nem saber quem é que deixa
Pouco adianta fazer queixa
Continuam a confusão
Enxada, foice, facão
Vão se adonando do todo
E a gente pisa no lodo
Que ficou das invasões
Cuidado! Muito cuidado
Temos que ter no momento
Pouco adianta testamento
Ou partilha escriturada
Numa forma abarbarada
Não respeitam nem sinal
A marca patrimonial
Querendo, pode borrar
Difícil é resgatar
A forma justa e legal
Eu ando trocando orelha
Na espera dum caudilho
E cada vez que dedilho
Esta guitarra campeira
Trago de arrasto a fronteira
Num canto de contraponto
Sonhando, ás vezes, eu monto
No meu cavalo guerreiro
E, com ares de missioneiro
Eu prendo o grito: Estou pronto!