monólogo de Orfeu
Mulher mais adorada!
Agora que não estás
Deixa que rompa o meu peito em soluços
Te enrustiste em minha vida
E cada hora que passa
É mais por que te amar
A hora derrama o seu óleo de amor em mim, amada
E sabes de uma coisa?
Cada vez que o sofrimento vem
Essa saudade de estar perto, se longe
Ou estar mais perto, se perto
Que é que eu sei?
Essa agonia de viver fraco
O peito extravasado
Essa incapacidade de me sentir mais eu, Orfeu
Tudo isso que é bem capaz
De confundir o espírito de um homem
Nada disso tem importância
Quando tu chegas com essa charla antiga
Esse contentamento, essa harmonia esse corpo
E me dizes essas coisas
Que me dão essa força, essa coragem, esse orgulho de rei
Ah, minha Eurídice
Meu verso, meu silêncio, minha música
Nunca fujas de mim
Sem ti, sou nada
Sou coisa sem razão, jogada, sou pedra rolada
Orfeu menos Eurídice: Coisa incompreensível!
A existência sem ti é como olhar para um relógio
Só com o ponteiro dos minutos
Tu és a hora, és o que dá sentido
E direção ao tempo
Minha amiga mais querida!
Qual mãe, qual pai, qual nada! A beleza da vida és tu, amada
Milhões amada! Ah! Criatura!
Quem poderia pensar que Orfeu
Orfeu cujo violão é a vida da cidade
E cuja fala, como o vento à flor
Despetala as mulheres
Que ele, Orfeu
Ficasse assim rendido aos teus encantos?
Mulata, pele escura, dente branco
Vai teu caminho
Que eu vou te seguindo no pensamento
E aqui me deixo rente quando voltares
Pela Lua cheia
Para os braços sem fim do teu amigo
Vai tua vida, pássaro contente
Vai tua vida que estarei contigo