O Engraxador
Ele sabe de cor todas as caras
Todas as pernas que caminham apressadas
Nada mudou talvez a moda
Talvez a fivela do sapato seja agora
Uma fita de velcro cor-de-rosa
Ele sabe de cor estranhos segredos
Das velhas que vivem a falar pelos cotovelos
Nada mudou talvez a moda
Talvez o sapato de pelica seja agora
Uma bota de verniz e pele de cobra
E sentado na cadeira gasta
De gente e de restos de graxa
Imagina-se num teatro inglês
A recitar Shakespeare em Português
Com a camisa e gravata de cerimonia
E depois da actuação o olhar de comoção
Põe um ponto no grande retrato
Um aplauso ensurdecedor
Faz com que o engraxador
Enfeite de lágrimas a gravata de cetim
E sentado na cadeira gasta
De gente e de restos de graxa
Imagina-se num teatro inglês
A recitar Shakespeare em Português
Com a camisa e gravata de cerimonia
Acorda então em sobressalto
Porque a graxa do sapato
Do cliente amargurado chegara ao fim