Nordeste Ficção

Juliana Linhares, Rafael Barbosa

Um dia eu sonhei que eu era um cacto
Desses que tenho em casa e eu não cuido
E que mesmo sem cor, sem água, sem ter flor pra dar
Com os espinhos tortos, 'inda olha rindo

Vivo, intacto
Vivo, intacto
O cacto

Menina, o sonho, eu acho que era um cacto
De um interior envelhecido
Que fugira do sertão na tentativa
De colher futuro farto e voz ativa

Vivo, intacto
Vivo, intacto
O cacto

Olha eu em essepê na portaria
Da brecha eu te mando um bom dia
O senhor batе os seus pés, sobe a fumaça
Tragando o mundo eu sigo е você passa

Agora eu viajei, eu era um cacto
Desses na cidade grande, esquecidos
Xique-xique, pobre pobre, lado a lado
Que rachando a terra abre mais caminho

Acordo, afio os dentes
Sou eu, cacto
Cortando a raiz sou mais de um país
E o status resistente

É fama pra dizer que a gente aguenta
(Vivo, intacto)
Que manda chumbo grosso e nós sustenta
(Vivo, intacto)
Botaram pra vender nossa esperança
(Vivo, intacto)
Criaram o roteiro dessa dança
(Vivo, intacto)

Lugar hostil de gente tão pacífica
Nordeste ficção científica
É pobre, é seca, é criança raquítica
Nordeste invenção política

Nordeste equação artística

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