A Noite

José Mário Branco, Antero de Quental

[Letra de "A Noite"]

[Verso 1]
Em tudo o que já fomos
Está o que seremos
No fundo desta noite
Tocam-se os extremos
E se soubermos ver nos sonhos o processo
Os passos para trás não são um retrocesso
A noite é um sinal de tudo quanto fomos
Dos medos, dos mistérios
Das fadas e dos gnomos
Da ignorância pura
E da ciência irmã
Em que sendo passado
Já somos amanhã
A noite é o espaço vago
O tempo sem história
Em que as perguntas nascem dentro da memória
Em tudo o que já fomes
Está o que seremos
Mas cabe perguntar
"Foi isto que quisemos?"

[Verso 2]
Em tudo o que já fomos
Está o que deixámos
No vеntre das marés
Nos portos que tocámos
O rumo desvеndado
O preço da bagagem
É tudo o quanto resta
Para seguir viagem

[Verso 3]
A noite é parideira da contradição
Que existe em cada sim que nos parece não
Olhando para nós
Os grandes dissidentes, no meio da luta
Entre lemes e correntes
Será esta viagem feita pelo vento
Será feita por nós
Amor e pensamento
O sonho é sempre sonho se nos enganarmos
Mas cabe perguntar
Como é que aqui chegámos

[Verso 4]
Vem longe ainda a praia do futuro
É a luta sem glória
É ser vencido por uma oculta súbita fraqueza
Um desalento, uma intima tristeza
Que à morte leva sem se ter vivido
A estrada da vida anda alastrada
De folhas secas e mirradas flores
Eu não vejo que os céus sejam maiores
Mas a alma é que eu vejo mais minguada

[Verso 5]
Em tudo o que já fomos
Estão os nossos mortos
E os vivos que ficaram
Entram nos seus corpos
Na noite do amor, na noite do sinal
Naufrágio de fantasmas
Na via batismal
A noite é um impreciso e escuro purgatório
Que alinha as nossas almas no seu dormitório
A culpa dos heróis é serem sempre poucos
A caso somos mais, ou tão somente loucos
Temos que descasar a culpa e o prazer
Naquilo que fizemos ou deixámos de fazer
Para reconstruir os corações cativos
Mas cabe perguntar
A caso, estamos vivos
Irmãos, irmãos
Amemo-nos agora
É de noite que os tristes se procuram
E paz e união entre si juram
Irmãos, irmãos
Amemo-nos agora
Vós que ledes na noite
Ó vós, profetas que sois os loucos
Porque andais na frente
Que sabeis o segredo
Da fremente palavra que dá fé
Ó vós, poetas

Em tudo o que já fomos
Há um sonho atípico
Conversa universal de cada um
São sombras e brinquedos , tudo misturado
E o vago sentimento de nascer culpado
Será um sonho absurdo este olhar para dentro
E o nosso destino só servir de exemplo
Andamos a fugir à frente desta vida
Na escada perguntar
"Existe uma saída?"

[Verso 6]
Sinto que é preciso caminhar
Avante !
Andar, passar por cima dos [?]
Como quem numa mina vai de bruços
Olhar apenas uma luz distante

Heis então ver ao descerrar do escuro
Bem como cumprimento de um agouro
Abrir-se como grandes portas de ouro
As imensas auroras do futuro

[Voz feminina]
Mama, meu menino
Leite é como rio
Que nunca para de correr
O leite branco é o remédio santo
Com que tu vais crescer
Entre as duas margens
Quentes e fecundas
Mama meu menino
Sem parar
[frio?] sem fundo
A cura do mundo
Que corre devagar
Mama o leite, meu passarinho
Mata a sede sem temor
Este rio é o teu caminho
O cordão do meu amor

Mama, meu menino
Mais um poucochinho
Que eu paro o tempo só para ti
Seiva da vida com que foi enchido
Quando te concebi
Um pequeno esforço
Mete te ao caminho
Duas colinas mais além
Asas de estrume
Para te [?]
Oh meu supremo bem
Mama o leite meu passarinho
Mata a sede sem temor
Este rio é o teu caminho
O cordão do meu amor

Curiosidades sobre la música A Noite del José Mário Branco

¿Cuándo fue lanzada la canción “A Noite” por José Mário Branco?
La canción A Noite fue lanzada en 1985, en el álbum “A Noite”.
¿Quién compuso la canción “A Noite” de José Mário Branco?
La canción “A Noite” de José Mário Branco fue compuesta por José Mário Branco, Antero de Quental.

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