Era Uma Vez Um Cantor Maldito
Um tilintar de gelos cintilantes
Num copo cristalino
Na bebida embriagada de bacantes
Que inspira o jacobino
Anuncia e antecipa ao decilitro
A chegada do cantor maldito
Era uma vez um cantor maldito
Que imaginava e amava um mundo de norte a sul
Feliz
E a filha de um coronel-azul de lápis-azul
Azul gris
Que na sombra clandestina já rondava um cofre-forte
Sacrário
E agora é uma toupeira que esburaca o contraforte
Monetário
Zumbe um ruído de fundo daquela orelha à calote
Cocuruto
Se já depois era um mosquito a insónia do agiota
Ao minuto
E urdia um outro dia mais babélico e caótico
Nas noites em que sonhava embalado por Morfeu
Acordava mais feliz suavemente agnóstico
P'ra adormecer herege profundamente ateu
Um tilintar de moedas doiradas
Na bolsa de valores
Ao sabor da especulação e jogadas
No bolso de apostadores
Apresenta e revela na baldroca
A entrada do magistral agiota
Era uma vez um magistral agiota
Que inventava e desenhava um mundo cibernético
Virtual
Do negócio imaginário já de si quase poético
O capital
Que odiava de morte o baladeiro danado
De protesto
E reclama a sua cabeça na defesa do mercado
E pelo resto
Convoca no ajuste de contas nova chusma de censores
Da censura
Que são as botas cardadas do solfejo e da batuta
Da cultura
Também convoca o dirigente mais esquerdista da altura
Politicamente estrábico de estrabismos multicores
Pois se tem um olho posto na proletária ditadura
E o outro mais que pisco na tal bolsa de valores
Um tilintar de lápis-azuis
Serventes do prestamista
Na diatribe
Já reúne outros servis
Que rezam p'la pele do artista
Risca, corta e proíbe-o nos painéis
A azul brigada dos coronéis
Era uma vez a brigada dos coronéis
Que guardava e resguardava o mundo da alta roda
Usurário
Apoiada em novos sátrapas em bárbaros da moda
Em argentários
E no esquerdista de então que abominando o trovador
O menestrel
Lhe rouba ao seu bom coração aquela filha bicolor
De um coronel
E o cantor olha as estrelas com a morte debruada
Na mortalha
Se proibido morto está, sem a rádio e sem jornais
Nem a pantalha
E já cantam elogios fúnebres os mesmos carrascos do morto
Sátrapas e coronéis e outros abutres na voragem
E tão alto cantam que o cantor dá tantas voltas ao corpo
Que acaba por ressuscitar para espanto da agiotagem
Ressurexit alleluia