Pode Estar A Acontecer (1,2 e 3)
[Letra de “Pode Estar A Acontecer (1, 2 E 3)”]
[Verso 1]
Nunca o quis mas a situação a isso obrigou
Aguerra civil a mil estoirou, a vida piorou
Uma mulher grávida de Angola bazou
Doeu mas p’ra tão falada tuga imigrou
Desta vez tudo vai ser diferente, pensou
A luta continua, ou seja, uma nova luta começou
Deixou tudo p’a trás, o marido ficou na terra
E nem sabe se ainda sobrevive na guerra
Sem suporte durante a gravidez, quase que perdeu a lucidez
P’ra quem supera a prova dos nove supera a dos dez
Um bebé luso-africano nasceu, o nome Pedro deu
P’ra nada lhe lembrar a terra em que ela nasceu
Quase do nada, a custa de muito suor o puto cresceu
Mas sabem como é a tuga, ele não floresceu
As condições estavam mal
Com a cota a bumbar na casa d’uma pula até a matar
P’ra seu puto e outros que entretanto apareceram alimentar
Ouviu muita merda, nem sabe como foi capaz de aguentar
Na escola, Pedro só conheceu puxões de orelhas de professoras catalogadoras e velhas
Os colegas gozavam: "Oh! preto que fugiu de Angola”
“Preto vai p’ra tua terra! vai fintar minas em Angola! hehe”
Com uma tanga a tapar-te o sexo
Assim nasce num afro-português o complexo
No secundário o pretinho, adolescente cresceu
Em muito pula bateu e tornou-se famoso
Estava orgulhoso, o puto mais temido e teimoso
E as merdas no principio eram por prazer e por gozo
E então um primo mais velho influencia-o a vender drogas dentro da escola
Muita massa ‘tava a ver, do nada a aparecer
Mas p’ra quem nada tem é só aceitar e querer
Então aproveitava e dava ganzas aos colegas mais chegados
Punha-os todos os dias ganzados p’ra que eles gostassem dele
E a cada dia que passasse esquecerem da cor da sua pele
[Verso 2]
A escola foi um gozo e não surtiu efeito
Adolescente agora é feito, com um corpo atlético perfeito
Tentou ser futebolista, ya
O puto treinava o dobro mas o treinador era racista
E tudo fez p’ra que esse sonho não visse a luz do dia
Com a revolta a sufocar, mais uma vida se transformaria
Como já conhecia o mundo da droga, uma dose comprou
E a sua sorte africana na tuga tentou
Mas sabes como é, todo mundo te topa
Preto em África é visto como bandido na Europa
Como diziam os freestyles dos rapper’s que faziam fluir
Rimas aos ouvidos de Pedro que admirava-se com a verdade a sair
Das bocas dos putos que não viam a vida a sorrir
As suas conexões fizeram o efeito surtir
Sem pensar nas consequências era só desatar e rir
O negócio cresceu com massa grande a surgir
E a bófia gosta disso, por isso ainda não atrofia
Ajuda a espalhar a droga no gueto e desafia
Deixando traficar à-vontade, mas pede a sua fatia
E como se não bastasse, era sempre a maior fasquia
Mas quando precisa demostrar serviço
Nada como prender e bater num preto até quase morrer
Foi assim que Pedro atrás das grades foi aparecer
Safou-se passado uns anos, já com uns trinta e tal
Sai a procura de trabalho em todo o Portugal
Mas hoje em dia ex-criminosos
São vistos pela sociedade como bichos contagiosos
Por consequência nunca são reinseridos
São tirados da jaula e logo a seguir esquecidos
Atirados a sua sorte, na merda largados, perdidos
Nas ruas agressivas, competitivas, sem perspectivas
Morren todas as expectativas
E as do Pedro também foram atacadas por larvas corrosivas
Vive angustiado, e o mais novo João, também já está no crime
Seguiu-lhe as pegadas, e agora se exprime
Quando o gatilho na cara d’um bófia comprime
[Verso 3]
O puto conectou, d’um plano falou
Contou que surgiu a fezada p’ra dar a banhada
A uma joalharia recheada com matéria pesada
Visitada pela ricalhada, parecia uma ganda cagada
Pois ela estava situada num local dificil de acesso
Ao carro de patrulha da bófia, o processo
Seria gamar só o que se estivesse a mão e bazar
Informou-se que o alarme da loja está ligado a esquadra, ah
Mas já é tarde quando ladra, não há dica
Porque a bófia demora bué a chegar
É só vidros quebrar, o que está na montra catar
E tirar o pé, é improvável a bófia alguma cena apanhar
Mas não foi isso que aconteceu meu
A senhora ambição apareceu, a porta bateu
Quando a cabeça de um dos parceiros subiu
Logo que vidro partiu e caiu, o gajo saltou p’ra dentro da loja
E cagou em quem o chamou, ninguém o abandonou
Iam nisso juntos até ao fim e o cabrão ainda pressionou
Assim uma neblina o terreno da loja cobriu
A bófia das sombras gélidas surgiu
E colocou, não se conteve, atirou e acertou
Pedro correu, será que puto Jonnhy escapou ?
Resposta, não, foi um dos muitos que tombou
Pedro correu porque não queria voltar p’ra prisão
Ainda pensou no seu irmão mas então já estava no chão
E assim que soube que estava deitado, admirado pensou
Como é que escapei não fui catado ?
Como a sua cota dizia: "ché! não fui mesmo apanhado"
Mas quando abriu bem os olhos viu que foi baleado
Apenas se safou porque acordou do outro lado
Longe do toque do seu corpo agora no chão atirado
Com um bófia a cuspir-lhe, pois ainda não foi tapado
Assim pode estar a acontecer, uma mãe já cheia de dores em casa a prever
E sentir a dor dos seus dois filhos a morrer
Este quadro capitalista que te mostra uma imagem
Nesta sociedade deserta onde tudo não passa duma miragem